SÉRIE: (76)A VIDA E OS ENSINAMENTOS DE JESUS - Depois de pentecostes
Esta
série foi extraída do Livro de Urântia. Os 77 capítulos, mais de 700
páginas, que ocupam um terço do livro, dão dia a dia, toda a vida de
Jesus Cristo desde sua infância. Dão 16 vezes mais informações sobre a
vida e os ensinamentos de Jesus do que a Bíblia. É o relato mais
espiritual sobre Jesus até hoje escrito.
DEPOIS DE PENTECOSTES
Os
resultados da pregação de Pedro, no Dia de Pentecostes, foram tais que
decidiram sobre as políticas futuras e determinaram os planos da
maioria dos apóstolos, nos seus esforços para proclamar o evangelho do
Reino. Pedro foi o verdadeiro fundador da igreja cristã; Paulo levou a
mensagem cristã aos gentios, e os crentes gregos difundiram-na por todo
o império romano.
Embora
o povo hebreu, limitado às tradições e dominado pelos sacerdotes,
enquanto povo, se recusasse a aceitar, fosse o evangelho de Jesus, da
paternidade de Deus e da irmandade dos homens, fosse a proclamação de
Pedro e de Paulo, da ressurreição e da ascensão de Cristo (o
cristianismo subseqüente), todo o restante do império romano acabou
sendo receptivo aos ensinamentos cristãos que evoluíam. Nesse momento a
civilização ocidental estava intelectualmente cansada da guerra e
encontrava-se também profundamente cética a respeito de todas as
religiões e filosofias existentes sobre o universo. Os povos do mundo
ocidental, beneficiários da cultura grega, tinham uma respeitável
tradição de um passado grandioso. Eles podiam contemplar a herança de
grandes realizações na filosofia, na arte, na literatura e nos
progressos políticos. Mas, ao lado de todas essas realizações, não
tinham tido nenhuma religião que satisfizesse à alma. Os seus anseios
espirituais permaneciam insatisfeitos.
E
subitamente, sobre tal cenário da sociedade humana, foram lançados os
ensinamentos de Jesus, adotados na mensagem cristã. Uma nova ordem de
vida, assim, foi apresentada aos corações insaciados desses povos do
Ocidente. Essa situação significava um conflito imediato entre as
práticas religiosas mais antigas e a nova versão cristianizada da
mensagem de Jesus ao mundo. Um tal conflito resultaria em uma vitória
definida, fosse da nova crença, ou da mais antiga, ou fosse em algum
grau de concessões feitas por alguma dessas partes. A história mostra
que a luta levou a um comprometimento sob a forma de concessões. O
cristianismo presumiu abranger coisas demasiadamente maiores do que
qualquer povo pudesse assimilar em uma ou duas gerações. Não se tratava
de uma chamada espiritual simples, como a que Jesus havia apresentado à
alma dos homens; abrangia, desde muito cedo, uma atitude sobre os
rituais religiosos, a educação, a magia, a medicina, a arte, a
literatura, a legislação, o governo, a moral, a regulamentação do sexo,
a poligamia e, em um grau limitado, até mesmo a escravidão. O
cristianismo não veio meramente como uma nova religião – como algo pelo
qual todo império romano e todo Oriente estivessem esperando – mas
como uma nova ordem de sociedade humana. E, com uma tal pretensão,
precipitou rapidamente o colapso moral-social das idades. Os ideais de
Jesus, tal como foram reinterpretados pela filosofia grega e
socializados pela cristandade, desafiavam agora, com ousadia, as
tradições da raça humana, incorporados na ética, na moralidade e na
religião da civilização ocidental.
De
início, o cristianismo conseguiu convertidos apenas nos estratos
sociais e econômicos mais baixos. Mas, por volta do segundo século, o
melhor da elite da cultura greco-romana, se voltava cada vez mais para
essa nova ordem de crença cristã, para esse novo conceito de propósito
de vida e meta de existência.
Como
é que essa nova mensagem, de origem judaica, que quase fracassara na
sua terra de nascimento, capturou tão rápida e eficazmente o melhor
mesmo das mentes do império romano? O triunfo do cristianismo sobre as
religiões filosóficas e os cultos dos mistérios deveu-se aos fatores:
1. A organização. Paulo era um grande organizador e os seus sucessores mantiveram o ritmo que ele estabeleceu.
2. O cristianismo estava profundamente helenizado. Abrangia o melhor da filosofia grega, bem como a nata da teologia hebraica.
3.
Mas, melhor do que tudo, trazia em si um ideal novo e grande, o eco da
vida auto-outorgada de Jesus e o reflexo da sua mensagem de salvação,
para toda a humanidade.
4.
Os líderes cristãos estavam dispostos a fazer concessões ao mitraísmo,
pois a melhor metade dos que haviam aderido ao cristianismo fora
conquistada ao culto da Antióquia.
5.
Do mesmo modo, a próxima e mais recente das gerações de líderes da
cristandade fez outras concessões mais ao paganismo, tanto que até
Constantino, o imperador romano, foi conquistado para a nova religião.
E
os cristãos fizeram uma barganha astuta com os pagãos, pois adotaram a
pompa ritualística dos pagãos obrigando-os a aceitar a versão
helenizada do cristianismo paulino. O acordo que fizeram com os pagãos
foi melhor do que aquele que concluíram com o culto mitraico, mas,
mesmo naquele compromisso inicial de concessão, eles saíram mais do que
vencedores, pois tiveram êxito em eliminar as imoralidades grosseiras e
também numerosas outras práticas repreensíveis do mistério persa.
Esses
líderes iniciais da cristandade, sabiamente ou não, comprometeram
deliberadamente os ideais de Jesus, em um esforço para salvar e promover
muitas das suas idéias, e nisso eles tiveram um êxito eminente. Mas
não vos enganeis! Esses ideais do Mestre, ainda que comprometidos,
estão latentes no seu evangelho e terminarão por fazer valer todo o seu
poder diante do mundo.
Por
meio dessa paganização do cristianismo, a velha ordem teve muitas
vitórias menores, de natureza ritualista, mas os cristãos ganharam a
ascendência, pois:
1. Foi tocada uma nota da moral humana, uma nota nova e de conotação enormemente mais elevada.
2. Um conceito novo e ampliado de Deus foi passado ao mundo.
3. A esperança de imortalidade tornou-se um ponto de reafirmação, dentro de uma religião reconhecida.
4. Jesus de Nazaré foi dado à alma sedenta do homem.
Muitas
das grandes verdades, ensinadas por Jesus, foram quase perdidas nesses
comprometimentos e concessões iniciais, mas elas ainda permanecem como
que adormecidas nessa religião de cristianismo paganizado, que é, por
sua vez, a versão paulina da vida e dos ensinamentos do Filho do Homem.
E o cristianismo, mesmo antes de ser paganizado, foi profundamente
helenizado. O cristianismo deve muito aos gregos, bastante mesmo. Um
grego, vindo do Egito, muito corajosamente levantou-se em Nicéia e tão
destemidamente desafiou a assembléia, que o concílio não ousou
obscurecer o conceito da natureza de Jesus; pois a verdade mesma da
auto-outorga havia estado em perigo de ser perdida para o mundo. O nome
desse grego foi Atanásio e, não fosse a eloqüência e lógica desse
crente, a força persuasiva de Ários teria triunfado.
1. A INFLUÊNCIA DOS GREGOS
A
helenização da cristandade, na realidade, começou naquele dia
memorável em que o apóstolo Paulo, diante do conselho de Areópagos, em
Atenas, falou aos atenienses sobre “o Deus Desconhecido”.
Lá, à sombra da Acrópolis, esse cidadão romano proclamou aos gregos a
sua versão da nova religião, que havia tido origem na terra judaica da
Galiléia. E havia coisas estranhamente semelhantes entre a filosofia
grega e muitos dos ensinamentos de Jesus. Eles tinham uma meta em comum –
ambos visavam o soerguimento do indivíduo. Os gregos, por meio da
emergência social e política do indivíduo; e Jesus, por meio da
emergência moral e espiritual do homem. Os gregos ensinavam o
liberalismo intelectual que conduzia à liberdade política; Jesus
ensinava o liberalismo espiritual que conduzia à liberdade religiosa.
Essas duas idéias, colocadas juntas, constituíam um novo e poderoso
código para a liberdade humana, e prognosticavam, para o homem, a sua
liberdade social, política e espiritual.
O cristianismo veio à existência e triunfou sobre todas a religiões, então em contenda, principalmente por causa de duas coisas:
1. A mente grega estava disposta a tomar emprestadas idéias novas e boas, ainda que fosse dos judeus.
2.
Paulo e os seus sucessores estavam dispostos a comprometerem-se, mas
fazendo concessões astuciosas e sagazes; eles eram negociantes
teológicos perspicazes.
Na época, Paulo dirigiu-se a Atenas pregando “Cristo, e o Cristo Crucificado”,
os gregos estavam espiritualmente sedentos; encontravam-se em uma
busca inquiridora, interessada e, na realidade, à procura da verdade
espiritual. Nunca vos esqueçais de que a princípio os romanos combateram
o cristianismo, enquanto os gregos adotaram-no; e de que foram os
gregos que literalmente forçaram os romanos, subseqüentemente, a aceitar
essa nova religião, já então modificada como uma parte da cultura
grega.
Os gregos
veneravam a beleza, os judeus a santidade; mas ambos os povos amavam a
verdade. Durante séculos os gregos pensaram e debateram seriamente
sobre todos os problemas humanos – sociais, econômicos, políticos e
filosóficos –, exceto sobre a religião. Poucos entre os gregos haviam
dado atenção maior à religião; eles não levavam muito a sério nem a
própria religião. Durante séculos os judeus haviam negligenciado esses
outros campos do pensamento ao devotar as suas mentes à religião. Eles
levavam a própria religião bastante a sério, talvez até em demasia.
Iluminado pelo conteúdo da mensagem de Jesus, o produto de séculos de
pensamento desses dois povos, agora unidos, transformavam-se na força
motriz de uma nova ordem de sociedade humana e, em uma certa medida, de
uma nova ordem de crença e de prática humana religiosa.
A
influência da cultura grega havia já penetrado as terras do
Mediterrâneo Oriental, quando Alexandre expandiu a civilização helênica
no mundo do Oriente próximo. Os gregos saíam-se muito bem com a sua
religião e a sua política, enquanto estiveram organizados em pequenas
cidades-Estado, mas, quando o rei macedônio ousou expandir a Grécia,
como um império, que se estendia do Adriático ao rio Indus, os
problemas começaram. A arte e a filosofia da Grécia estavam
perfeitamente à altura da expansão imperial, mas não era bem assim com a
administração política grega, nem com a religião. Depois que as
cidades-Estado da Grécia conseguiram expandir-se como império, os seus
deuses paroquiais pareciam um pouco esquisitos. Os gregos realmente
estavam procurando um Deus único, um Deus maior e melhor, quando a
versão cristianizada da antiga religião judaica chegou a eles.
O
império helenista, enquanto tal, não podia durar. A sua influência
cultural continuou, mas só durou até assegurar para si o gênio político
romano do Ocidente, para a administração do império, e depois que
obteve do Oriente uma religião cujo Deus único possuía a dignidade
imperial.
No primeiro
século depois de Cristo, a cultura helênica havia já atingido os seus
níveis mais elevados; o seu retrocesso havia começado; o aprendizado
avançava, mas a genialidade declinava. Foi nessa mesma época que as
idéias e os ideais de Jesus, parcialmente incorporados ao cristianismo,
concorreram para salvar a cultura e o conhecimento gregos.
Alexandre
havia atacado o Oriente com a dádiva cultural da civilização da
Grécia; Paulo assaltou o Ocidente com a versão cristã do evangelho de
Jesus. E, em todos os lugares em que a cultura grega prevaleceu, em
todo o Ocidente, também o cristianismo helenizado criou raiz.
A
versão oriental da mensagem de Jesus, não obstante haver permanecido
mais fiel aos ensinamentos dele, continuou seguindo a atitude de Abner
de não fazer comprometimentos sob forma de concessões. E nunca
progrediu como o fez a versão helenizada permanecendo enfim perdida no
movimento islâmico.
2. A INFLUÊNCIA ROMANA
Os
romanos incorporaram a cultura grega na totalidade, colocando governos
representativos em lugar de governos por áreas. E em breve essa
mudança favoreceu o cristianismo, pois Roma trouxe a todo o mundo
ocidental uma nova tolerância para línguas, povos e mesmo religiões
estrangeiras.
Grande parte da perseguição inicial aos cristãos, em Roma, deveu-se apenas ao uso infeliz que faziam do termo “reino”
nas suas pregações. Os romanos eram tolerantes com toda e qualquer
religião, mas ressentiam-se muito de qualquer coisa que tivesse o sabor
de rivalidade política. E, assim, quando essas perseguições iniciais,
devidas tão somente a mal-entendidos, tiveram fim, o campo para a
propagação religiosa encontrava-se bem aberto. Os romanos estavam
interessados na administração política; eles não se importavam muito com
a arte nem com a religião, eram tolerantes com ambas de um modo
extraordinário.
A lei
oriental era severa e arbitrária; a lei grega era fluida e artística; a
lei romana era dignificada e inspiradora de respeito. A educação
romana induzia uma lealdade inédita e impassível. Os romanos do período
inicial eram indivíduos politicamente devotados e consagrados de um
modo sublime. Eram honestos, zelosos e dedicados aos seus ideais, mas
não possuíam uma religião digna de ser chamada como tal. Não é de se
admirar que os instrutores gregos tivessem sido capazes de persuadi-los
a aceitar o cristianismo de Paulo.
E
esses romanos eram um grande povo. Eles puderam governar o Ocidente
porque se governavam bem a si próprios. Uma honestidade sem par, uma tal
devoção e um autocontrole tão decidido, formavam o solo ideal para
receber e para fazer crescer a cristandade.
Foi
fácil para esses greco-romanos tornarem-se tão espiritualmente
devotados a uma igreja institucionalizada, quanto o eram politicamente
ao Estado. Os romanos combateram a igreja apenas quando temeram que ela
estivesse competindo com o Estado. Roma, tendo uma filosofia nacional
tímida e pouca cultura nativa, tomou a cultura grega como sua própria e
fez de Cristo, com valentia, a sua própria filosofia moral. O
cristianismo converteu-se na cultura moral de Roma, mas dificilmente
tornou-se a sua religião, no sentido de ser, para aqueles que abraçaram
a nova religião, uma experiência individual de crescimento espiritual,
a religião de um modo pleno. É verdade, de fato, que muitos indivíduos
a penetraram com mais profundidade, saindo da superfície de toda essa
religião-estatal, e encontraram alimento para as suas almas nos valores
reais dos significados, mascarados detrás das verdades latentes do
cristianismo helenizado e paganizado.
Os estóicos e o seu apelo inflexível à “natureza e à consciência”
haviam preparado bem toda a Roma para receber Cristo, pelo menos em um
sentido intelectual. O romano era, por natureza e por educação, um
legislador; ele venerava até mesmo as leis da natureza. E agora, no
cristianismo, ele divisava as leis de Deus nas leis da natureza. Um povo
que pôde produzir Cícero e Virgílio estava amadurecido para o
cristianismo helenizado de Paulo.
E,
pois, esses gregos romanizados forçaram tanto os judeus quanto os
cristãos a filosofarem sobre a própria religião, a coordenarem as
idéias dessa religião, a sistematizarem os seus ideais e a adaptarem as
práticas religiosas às correntes predominantes de vida. E tudo isso
foi enormemente ajudado pela tradução das escrituras hebraicas para o
grego e pela redação do Novo Testamento, na língua grega.
Contrariamente
aos judeus e a muitos outros povos, os gregos vinham, há muito tempo,
crendo provisoriamente na imortalidade, em alguma espécie de
sobrevivência após a morte e, já que esse era o núcleo mesmo do
ensinamento de Jesus, era certo que o cristianismo significasse um
forte apelo para eles.
Uma
sucessão de vitórias da cultura grega e da política romana havia
consolidado as terras do Mediterrâneo como um império, com uma língua e
uma cultura, e preparou o mundo ocidental para um só Deus. O judaísmo
contribuiu com esse Deus, mas o judaísmo não era aceitável como uma
religião para esses gregos romanizados. Filo ajudou alguns a mitigarem
as suas objeções, mas o cristianismo revelou a eles um conceito melhor
de um Deus único e, prontamente, eles o abraçaram.
3. SOB O IMPÉRIO ROMANO
Após
a consolidação do governo político romano, e depois da disseminação do
cristianismo, os cristãos se viram com um Deus, um grande conceito
religioso, mas sem um império. Os greco-romanos se viram com um grande
império, mas sem um Deus para servir de conceito religioso adequado à
adoração do império e à sua unificação espiritual. Os cristãos aceitaram
o império; o império adotou o cristianismo. Os romanos forneceram uma
unidade de governo político; os gregos, uma unidade de cultura e de
instrução; o cristianismo, uma unidade de prática e de pensamento
religioso.
Roma suplantou
a tradição do nacionalismo por meio do universalismo imperial e, pela
primeira vez na história, tornou possível que raças e nações
diferentes, pelo menos nominalmente, aceitassem uma religião única.
O
cristianismo ganhou a preferência em Roma, em uma época em que havia
uma grande luta entre os ensinamentos enérgicos dos estóicos e as
promessas de salvação dos cultos dos mistérios. O cristianismo trouxe o
conforto repousante e o poder libertador para um povo espiritualmente
sedento, cuja língua não possuía nenhuma palavra para “ausência de egoísmo”.
O
que deu maior poder à cristandade foi o modo pelo qual os seus crentes
viveram vidas de serviço e, mesmo, o modo pelo qual morreram pela
própria fé, durante os tempos iniciais de perseguições drásticas.
O
ensinamento a respeito do amor de Cristo pelas crianças logo colocou
um fim à prática disseminada de expor as crianças à morte, quando não
eram desejadas, particularmente as meninas.
O
plano inicial do culto cristão foi tomado, em sua quase totalidade, ao
das sinagogas judaicas, e modificado pelo ritual mitraico;
posteriormente, muito do fausto pagão foi acrescentado a ele. A espinha
dorsal da igreja cristã inicial consistia de prosélitos gregos do
judaísmo, que se cristianizaram.
O
segundo século depois de Cristo foi o melhor período, em toda a
história do mundo, para uma boa religião fazer progressos no mundo
ocidental. Durante o primeiro século, a cristandade havia preparado-se,
por meio de lutas e de concessões, para criar raízes e espalhar-se
rapidamente. A cristandade adotou o imperador; mais tarde, o imperador
adotou o cristianismo. Essa foi uma grande época para uma nova religião
ser disseminada. Existia liberdade religiosa; as viagens se haviam
generalizado e inexistiam entraves para o livre pensamento.
O
ímpeto espiritual de aceitar nominalmente o cristianismo helenizado
chegou a Roma tarde demais para impedir o declínio moral já bem
avançado, ou para compensar a deterioração racial já bem estabelecida e
crescente. Essa nova religião era uma necessidade cultural para a Roma
imperial, e é uma grande infelicidade que não se haja tornado um meio
de salvação espiritual em um sentido mais amplo.
Mesmo
uma boa religião não podia salvar um grande império dos resultados
óbvios da falta de participação do indivíduo nos assuntos do governo,
do excesso de paternalismo, do exagero e da grosseria dos abusos na
coleta dos impostos, do comércio desequilibrado com o Levante, que
acabou com o ouro, da loucura dos prazeres, do clichê da padronização
romana, da degradação da mulher, da escravidão e da decadência racial,
das epidemias físicas, e de uma igreja estatal que se tornou
institucionalizada quase até o ponto da esterilidade espiritual.
Em
Alexandria, contudo, as condições não eram assim tão desfavoráves. As
primeiras escolas continuavam mantendo muitos dos ensinamentos de Jesus
sem comprometimentos e concessões. Pantaenos ensinou a Clemente, e
passou a colaborar com Natanael, proclamando Cristo na Índia. Embora
alguns dos ideais de Jesus hajam sido sacrificados na edificação do
cristianismo, deveria aqui, com toda a justiça, ficar registrado que, ao
final do segundo século, praticamente todas as grandes mentes do mundo
greco-romano, passaram a ser cristãs. O triunfo estava próximo de ser
completo.
E esse império
romano perdurou tempo suficiente para assegurar a sobrevivência do
cristianismo, mesmo depois do império entrar em colapso. Mas nós temos
conjecturado, freqüentemente, sobre o que teria acontecido a Roma e ao
mundo, caso tivesse sido aceito o evangelho do Reino em lugar do
cristianismo grego.
4. A IDADE DAS TREVAS NA EUROPA
A
igreja, estando subordinada à sociedade e aliada à política, ficava
condenada a compartilhar do declínio intelectual e espiritual na chamada
“idade das trevas”
européia. Nessa época, a religião tornou-se mais e mais monástica,
ascética e regulamentada. Num sentido espiritual, o cristianismo estava
hibernando. Durante esse período, existiu, junto com essa religião
adormecida e secularizada, uma corrente contínua de misticismo, uma
experiência espiritual fantástica que beirou à irrealidade e que,
filosoficamente, foi semelhante ao panteísmo.
Nesses
séculos de trevas e de desespero, de novo a religião passou a ser algo
de segunda mão. O indivíduo se encontrava quase perdido diante da
autoridade super-ofuscante da tradição e do ditatorialismo da igreja.
Uma nova ameaça espiritual surgiu na criação de uma galáxia de “santos”,
os quais, se presumia, exerciam especial influência nas cortes
divinas, e que, por isso, se se apelasse eficazmente para eles, seriam
capazes de interceder pelo homem perante os Deuses.
Mas
a cristandade estava tão suficientemente socializada e paganizada que,
conquanto fosse impotente para frustrar a vinda da idade das trevas,
encontrava-se mais bem preparada para sobreviver a esse período
prolongado de trevas morais e de estagnação espiritual. E o
cristianismo perdurou durante a longa noite da civilização ocidental e
funcionou ainda como uma influência moral no mundo quando do alvorecer
da renascença. A reabilitação do cristianismo, depois de passar pela
idade das trevas, resultou na vinda à existência de numerosas seitas de
ensinamentos cristãos, as crenças adequando-se aos tipos especiais – o
intelectual, o emocional e o espiritual – de personalidades humanas. E
muitos desses grupos especiais de cristãos, ou de famílias religiosas,
ainda persistiam à época em que se fazia a apresentação deste
documento.
O
cristianismo traz em si a história de ter-se originado numa
transformação não intencional, da religião de Jesus, em uma religião
sobre Jesus. E ainda apresenta a história de haver experimentado a
helenização, a paganização, a secularização, a institucionalização, a
deterioração intelectual, a decadência espiritual, a hibernação moral, a
ameaça de extinção, o rejuvenescimento posterior, a fragmentação e,
mais recentemente, uma relativa reabilitação. Essa genealogia indica a
vitalidade inerente e a posse de vastos recursos de recuperação. E esse
mesmo cristianismo está agora presente no mundo civilizado de povos do
mundo ocidental e tem à frente uma luta pela existência que é ainda
menos auspiciosa do que aquelas crises acidentadas que caracterizaram as
suas batalhas passadas para alcançar o predomínio.
A
religião confronta-se agora com o desafio de um novo tempo de mentes
científicas e de tendências materialistas. Nessa luta gigantesca entre o
secular e o espiritual, a religião de Jesus finalmente irá triunfar.
5. OS PROBLEMAS MODERNOS
O
século vinte trouxe ao cristianismo, e a todas as outras religiões,
novos problemas a serem resolvidos. Quanto mais alto ascende uma
civilização, mais premente torna-se o dever de “primeiro buscar as realidades do céu” em todos os esforços do homem para estabilizar a sociedade e facilitar a solução dos seus problemas materiais.
A
verdade, muitas vezes, torna-se confusa e até enganosa, quando é
desmembrada, fracionada, isolada e demasiadamente analisada. A verdade
viva ensina, ao buscador da verdade, corretamente, apenas quando ela é
abraçada em plenitude e como uma realidade espiritual viva, não como um
fato dentro de uma ciência material, nem como uma inspiração de uma
arte intermediária.
A
religião é a revelação ao homem do seu destino eterno e divino. A
religião é uma experiência puramente pessoal e espiritual e deve ser,
sempre, diferenciada de outras formas elevadas de pensamento, tais
como:
1. A atitude lógica do homem para com as coisas da realidade material.
2. A apreciação estética que o homem tem da beleza, em contraste com a fealdade.
3. O reconhecimento ético que o homem tem das obrigações sociais e do dever político.
4. Mesmo o senso de moralidade humana, em si e por si próprio, não é religioso.
A
religião está destinada a encontrar aqueles valores no universo que
exigem fé, confiança e certeza; a religião culmina na adoração. A
religião descobre, para a alma, os valores supremos que estão em
contraposição aos valores relativos descobertos pela mente. Um tal
discernimento interior supra-humano só pode ser alcançado por meio da
experiência religiosa verdadeira.
Não
se pode sustentar um sistema social duradouro, sem uma moralidade
baseada em realidades espirituais, assim como não se poderia sustentar o
sistema solar sem a gravidade.
Não
tenteis satisfazer a curiosidade, nem gratificar todos os desejos
latentes de aventura que surgem na alma, em uma curta vida na carne.
Sede pacientes! Não vos deixeis ceder à tentação de lançar-vos em um
mergulho desregrado em aventuras baratas e sórdidas. Domai as vossas
energias e refreai as vossas paixões; sede calmos enquanto aguardais o
desdobrar majestático de uma carreira interminável de aventuras
progressivas e de descobertas emocionantes.
Na
confusão sobre a origem do homem, não percais de vista o seu destino
eterno. Não vos esqueçais de que Jesus amou até mesmo às crianças
pequenas, e de que, para sempre, ele deixou claro o grande valor da
personalidade humana.
Ao
observardes o mundo, lembrai-vos de que as manchas negras do mal, que
podeis ver, se destacam sobre o fundo branco do bem último. Vós não
vedes meramente manchas brancas do bem, mostrando-se miseravelmente
sobre o fundo negro do mal.
Quando
há tantas verdades, e tão boas, a se fazerem públicas e proclamadas,
por que deveriam os homens insistir tanto no mal do mundo, só porque
ele parece ser um fato? As belezas dos valores espirituais da verdade
geram mais prazer e são mais enaltecedoras do que o fenômeno do mal.
Na
religião, Jesus defendeu e seguiu o método da experiência, do mesmo
modo que a ciência moderna busca a técnica pela experimentação. Nós
encontramos Deus por meio dos guiamentos do discernimento espiritual
interior, mas nós nos aproximamos desse discernimento da alma por meio
do amor pelo belo, da busca da verdade, da lealdade ao dever e da
adoração à bondade divina. Mas de todos esses valores, o amor é o guia
verdadeiro para o discernimento autêntico.
6. O MATERIALISMO
Involuntariamente,
os cientistas fizeram a humanidade precipitar em um pânico
materialista; eles deram início a uma corrida irrefletida ao banco moral
dos tempos, mas esse banco de experiência humana tem vastos recursos
espirituais; ele pode suportar as demandas que lhe estão sendo feitas.
Apenas os homens impensados entram em pânico com os ativos espirituais
da raça humana. Quando o pânico materialista-secular houver chegado ao
fim, a religião de Jesus não terá ido à bancarrota. O banco espiritual
do Reino do céu estará pagando, com fé, esperança e certeza moral, a
todos aqueles que recorrerem a ele “em Seu nome”.
Não
importa quais possam ser os conflitos aparentes entre o materialismo e
os ensinamentos de Jesus, podeis permanecer seguros de que, nas idades
que virão, os ensinamentos do Mestre triunfarão completamente. Na
realidade, a verdadeira religião não irá envolver-se em nenhuma
controvérsia com a ciência, pois não se ocupa em absoluto com as coisas
materiais. Para a religião a ciência é simplesmente indiferente, apesar
de ter uma simpatia por ela, enquanto se preocupa supremamente com o
cientista.
A busca do
conhecimento meramente, sem a interpretação da sabedoria que o
acompanha e sem o discernimento interior espiritual da experiência
religiosa, finalmente leva ao pessimismo e ao desespero humano. Uma
dose de conhecimento, se pequena, pode ser algo verdadeiramente
desconcertante.
Na época
em que estes documentos foram escritos, o pior da era materialista já
havia chegado ao fim; o dia de uma melhor compreensão já está no seu
alvorecer. As mentes mais elevadas do mundo científico não são mais
totalmente materialistas na sua filosofia, e o grosso e comum do povo
ainda inclina-se nessa direção em conseqüência de ensinamentos
anteriores. Mas essa idade de realismo físico é apenas um episódio
passageiro na vida do homem sobre a Terra. A ciência moderna deixou a
verdadeira religião – os ensinamentos de Jesus, como traduzidos nas
vidas dos seus crentes – intocados. Tudo o que a ciência fez foi
destruir as ilusões infantis das falsas interpretações da vida.
A
ciência é uma experiência quantitativa, a religião é uma experiência
qualitativa, no que concerne à vida do homem na Terra. A ciência lida
com os fenômenos; a religião, com as origens, os valores e as metas.
Designar causas como explicação de fenômenos físicos é confessar
ignorância das ultimidades e, ao fim, apenas leva o cientista
diretamente de volta à primeira grande causa – o Pai Universal do
Paraíso.
A passagem
violenta, de uma era de milagres para uma idade de máquinas, revelou-se
como sendo de todo desconcertante para o homem. A engenhosidade e a
habilidade das falsas filosofias do mecanismo desmentem as pretensões
puramente mecanicistas. A agilidade fatalista da mente de um
materialista contradiz, para sempre, as suas afirmações de que o
universo é um fenômeno energético cego e sem propósito.
O
naturalismo mecanicista de alguns homens, supostamente instruídos, e o
secularismo impensado, do homem nas ruas, estão ambos ocupados
exclusivamente com as coisas; eles estão desprovidos de todos os
valores reais, das recompensas e das satisfações de uma natureza
espiritual, assim como estão despojados de fé, esperança e certezas
eternas. Um dos grandes problemas da vida moderna é que o homem pensa
que ele é ocupado demais para encontrar tempo para a meditação
espiritual e para a devoção religiosa.
O
materialismo reduz o homem a um autômato sem alma e faz dele um mero
símbolo aritmético, incluído, sem ter poder, na fórmula matemática de
um universo pouco romântico e muito mecânico. Mas de onde provém todo
esse vasto universo de matemáticas, sem um Mestre Matemático? A ciência
pode discorrer sobre a conservação da matéria, mas a religião torna
válida a conservação das almas humanas – e preocupa-se com a
experiência delas ligada às realidades espirituais e valores eternos.
O
sociólogo materialista de hoje observa uma comunidade, faz um
relatório sobre ela e deixa o povo como ele o encontrou. Há dezenove
séculos, alguns galileus pouco instruídos observaram Jesus dando a sua
vida, como uma contribuição espiritual para a experiência interior do
homem, e então eles saíram da Galiléia e viraram todo o império romano
de cabeça para baixo.
Os
líderes religiosos, contudo, estão cometendo um grande erro ao
tentarem convocar o homem moderno para a batalha espiritual, com um
soar medieval de trombetas. A religião deve prover-se de lemas novos e
atuais. Nem a democracia, nem qualquer outra panacéia política, tomará o
lugar do progresso espiritual. As religiões falsas podem representar
uma fuga da realidade mas, com o seu evangelho, Jesus conduziu o homem
mortal à entrada de uma realidade eterna de progresso espiritual.
Dizer que a mente “surgiu” da
matéria nada explica. Se o universo fosse apenas um mecanismo e a
mente uma parte da matéria, nós nunca teríamos duas interpretações
diferentes de qualquer fenômeno observado. Os conceitos da verdade, da
beleza e da bondade não são inerentes, seja à física seja à química.
Uma máquina não pode conhecer, e muito menos conhecer a verdade, ter
fome de retidão ou valorizar a bondade.
A
ciência pode ser física, mas a mente do cientista que discerne a
verdade é de todo supramaterial. A matéria não conhece a verdade, nem
pode amar a misericórdia nem se comprazer com as verdades espirituais.
As convicções morais baseadas no esclarecimento espiritual, e com
raízes na experiência humana, são tão reais e certas quanto as deduções
matemáticas baseadas nas observações físicas, mas em um nível
diferente, mais elevado.
Se
os homens não passassem de máquinas, eles reagiriam mais ou menos
uniformemente a um universo material. Não existiria a individualidade, e
muito menos a personalidade.
A
existência do mecanismo absoluto do Paraíso, no centro do universo dos
universos, na presença da volição inqualificável da Segunda Fonte e
Centro, torna para sempre certo que as causas determinantes não sejam a
lei exclusiva do cosmo.
O
materialismo existe, mas ele não é exclusivo; o mecanismo existe, mas
ele não é inqualificável nem irrestrito; o determinismo existe, mas ele
não está só.
O universo
finito da matéria tornar-se-ia finalmente uniforme e determinista, não
fosse a presença combinada da mente e do espírito. A influência da
mente cósmica injeta constantemente a própria espontaneidade nos mundos
materiais.
A liberdade, ou a
iniciativa, em qualquer reino da existência, é diretamente
proporcional ao grau de influência espiritual e de controle da
mente-cósmica; e isto é, na experiência humana, o grau de realidade com
que vós fazeis a “vontade do Pai”. E assim, uma vez que vós começais a encontrar Deus, esta é a prova conclusiva de que Deus já vos encontrou.
A
busca sincera da bondade, da beleza e da verdade conduz a Deus. E cada
descoberta científica demonstra a existência tanto da liberdade,
quanto da uniformidade no universo. O descobridor estava livre para
fazer a descoberta. A coisa descoberta é real e aparentemente uniforme,
ou então não poderia ter-se tornado conhecida como uma coisa.
7. A VULNERABILIDADE DO MATERIALISMO
Quão
tolo é, para o homem de mente material, permitir que teorias
vulneráveis, como as de um universo mecanicista, privem-no dos recursos
espirituais vastos da experiência pessoal da verdadeira religião. Os
fatos nunca contradizem a fé espiritual real; as teorias sim, podem
contradizer. Melhor seria se a ciência ficasse devotada à destruição da
superstição, em vez de ficar tentando arruinar a fé religiosa – a
crença humana nas realidades espirituais e nos valores divinos.
A
ciência deveria fazer materialmente, pelo homem, o que a religião faz
por ele, espiritualmente: ampliar o horizonte da vida e tornar a sua
personalidade mais abrangente. A verdadeira ciência não pode manter uma
disputa duradoura com a religião verdadeira. O “método científico”
é meramente um padrão intelectual de avaliação, com o qual se medem as
aventuras materiais e as realizações físicas. Mas, como é material e
totalmente intelectual, ele passa a ser inteiramente inútil na avaliação
das realidades espirituais e das experiências religiosas.
A
incoerência do mecanicista moderno é tal que: se o universo fosse
meramente material e o homem apenas uma máquina, o homem seria
completamente incapaz de se reconhecer como tal e, do mesmo modo, esse
homem-máquina seria totalmente inconsciente do fato da existência de um
tal universo material. O desalento e o desespero materialista da
ciência mecanicista fracassou por não reconhecer o fato de que a mente
do cientista é residida por um espírito, e, que é, o discernimento
supramaterial, mesmo, dessa mente, que está a formular tal conceito
errôneo e auto-contraditório de um universo materialista.
Os
valores do Paraíso, de eternidade e de infinitude, de verdade, de
beleza e bondade, estão ocultos dentro dos fatos dos fenômenos dos
universos do tempo e do espaço. Mas é necessário o olho da fé, ao
mortal nascido do espírito, para detectar e discernir esses valores
espirituais.
As realidades e os valores do progresso espiritual não são uma “projeção psicológica”
– um mero sonho diurno glorificado da mente material. Tais coisas são
antecipações espirituais do Ajustador residente, o espírito de Deus
vivendo na mente do homem. E que as vossas incursões, fraca e
confusamente visualizadas adentro da teoria da “relatividade”, não
perturbem os vossos conceitos da eternidade e da infinitude de Deus. E,
todas as vezes que fordes solicitados a respeito da necessidade da
vossa auto-expressão, não cometais o erro de omitir a expressão do
Ajustador, a manifestação do vosso eu melhor e mais real.
Se
esse fosse um universo apenas material, o homem material nunca seria
capaz de alcançar o conceito do caráter mecanicista de uma existência,
assim tão exclusivamente material. Esse conceito mecanicista do
universo é, em si mesmo um fenômeno não material da mente, e toda a
mente é de origem não material; não importando quão radicalmente ela
possa parecer ser condicionada materialmente e controlada
mecanicamente.
O mecanismo
mental parcialmente evoluído, do homem mortal, não é superdotado de
consistência e sabedoria. A vaidade do homem freqüentemente ultrapassa a
sua razão e ilude a sua lógica.
O
próprio pessimismo do materialista mais pessimista é, em si e por si
próprio, prova suficiente de que o universo do pessimista não é
totalmente material. O otimismo e o pessimismo são, ambos, reações
conceituais em uma mente consciente dos valores, tanto quanto dos fatos.
Se o universo fosse verdadeiramente o que o materialista considera que
ele seja, o homem, como máquina humana, seria então desprovido de todo
o reconhecimento consciente daquele fato mesmo. Sem a consciência do
conceito de valor, dentro da mente nascida do espírito, o homem não
poderia reconhecer de nenhuma maneira o fato do materialismo do
universo, e os fenômenos mecanicistas da operação do universo. Uma
máquina não pode ser consciente da natureza ou do valor de uma outra
máquina.
Uma filosofia
mecanicista da vida e do universo não pode ser científica, porque a
ciência reconhece apenas as coisas materiais e os fatos, lidando apenas
com eles. A filosofia é, inevitavelmente, supracientífica. O homem é
um fato material da natureza, mas a sua vida é um fenômeno que
transcende os níveis materiais da natureza, pois ela tem os atributos
de controle da mente e as qualidades criativas do espírito.
O
esforço sincero do homem para transformar-se em um mecanicista
representa o fenômeno trágico do esforço fútil daquele homem para
cometer o suicídio intelectual e moral. Mas ele não o pode fazer.
Se
o universo fosse apenas material e se o homem fosse apenas uma
máquina, não haveria a ciência para encorajar o cientista a postular
essa mecanização do universo. Máquinas não podem medir, classificar,
nem avaliar a si próprias. Uma tal obra do trabalho da ciência poderia
apenas ser executada por alguma entidade que tenha um status
supramaquinal.
Se a realidade
do universo é ser apenas uma imensa máquina, então o homem deve estar
do lado de fora do universo e separado dele, pois só assim o homem pode
reconhecer tal fato e tornar-se consciente e dono de um discernimento
de uma tal avaliação.
Se
o homem é apenas uma máquina, por meio de qual técnica é que ele chega a
acreditar ou a proclamar saber que ele próprio é apenas uma máquina? A
experiência de uma avaliação autoconsciente, do próprio eu, nunca é um
atributo de uma mera máquina. Um mecanicista autoconsciente e
reconhecido é a melhor resposta possível ao mecanicismo. Se o
materialismo fosse um fato, não poderia haver nenhum mecanicista
autoconsciente. E também é verdade que antes de cometer atos imorais
alguém deve ser primeiro uma pessoa moral.
A
própria pretensão do materialismo implica uma consciência
supramaterial da mente, e que presuma afirmar tais dogmas. Um mecanismo
poderia deteriorar-se, mas nunca progredir. Máquinas não pensam,
criam, sonham, aspiram, idealizam, anseiam pela verdade, nem têm sede
de retidão. Elas não motivam as suas vidas com a paixão de servir a
outras máquinas, nem de escolher como meta própria de progresso eterno a
tarefa sublime de encontrar Deus e de esforçar-se para ser igual a
Ele. Máquinas nunca tomam posições intelectuais, emocionais, estéticas,
éticas, morais ou espirituais.
A
arte prova que o homem não é mecanístico, mas não prova que ele é
espiritualmente imortal. A arte é a morôncia do mortal, o domínio
intermediário entre o homem, o ser material, e o homem, o ser
espiritual. A poesia é um esforço para escapar-se das realidades
materiais e aproximar-se dos valores espirituais.
Numa
civilização evoluída, a arte humaniza a ciência, enquanto, por sua
vez, ela é espiritualizada pela religião verdadeira – o discernimento
dos valores espirituais e eternos. A arte representa a avaliação humana
e tempo-espacial da realidade. A religião é o abraço divino dos
valores cósmicos e denota progresso eterno na ascensão e na expansão
espiritual. A arte do tempo é perigosa apenas quando se torna cega para
os padrões espirituais dos arquétipos divinos que a eternidade reflete
como sombras da realidade do tempo. A arte verdadeira é a manipulação
eficiente das coisas materiais da vida; a religião é a transformação
enobrecedora dos fatos materiais da vida, e nunca cessa na sua
avaliação espiritual da arte.
Quão
tolo é presumir que um autômato poderia conceber uma filosofia do
automatismo, e quão ridículo seria supor que pudesse presumir formar o
conceito de outros autômatos companheiros e irmãos!
Qualquer
interpretação científica do universo material torna-se sem valor, a
menos que venha do devido reconhecimento ao cientista. Nenhuma
apreciação da arte será genuína a menos que seja acompanhada do
reconhecimento do artista. Nenhuma avaliação da moral vale a pena, a
menos que inclua o moralista. Nenhum reconhecimento da filosofia será
edificante, se ignorar o filósofo, e a religião não pode existir sem a
experiência real do religioso que, nessa e por meio dessa mesma
experiência, está buscando encontrar Deus e conhecê-lo. Do mesmo modo, o
universo dos universos fica sem significado se separado do EU SOU, o Deus infinito que o fez e que continuamente o administra.
Os
mecanicistas – humanistas – tendem a se alienar, junto com as
correntes materiais. Os idealistas e os espiritualistas ousam usar os
seus remos com inteligência e vigor para, aparentemente, modificar o
curso puramente material das correntes da energia.
A
ciência vive por meio das matemáticas da mente; a música expressa o
bater do tempo das emoções. A religião é o ritmo espiritual da alma, em
harmonia tempo-espacial com as medidas melódicas mais elevadas e
eternas da Infinitude. A experiência religiosa é algo na vida humana
que é verdadeiramente supramatemático.
Para
a linguagem, um alfabeto representa o mecanismo do materialismo,
enquanto as palavras que exprimem os significados de mil pensamentos,
grandes idéias e ideais nobres – de amor e ódio, de covardia e coragem
–, representam as atuações da mente, dentro do escopo definido tanto
pela lei material, quanto pela espiritual, dirigido pela afirmação da
vontade da personalidade e limitado pelo dom inerente à situação.
O
universo não é como as leis, mecanismos e constantes de uniformidades
que o cientista descobre e que acaba por considerar como sendo ciência.
O universo é mais como um cientista curioso, pensador, que escolhe,
que é criativo e que combina e discrimina e que, assim, observa os
fenômenos do universo e classifica os fatos matemáticos inerentes às
fases mecanicistas do lado material da criação. O universo não é,
também, como a arte do artista; mas é mais como o artista que pesquisa,
sonha, aspira e avança e que busca transcender o mundo das coisas
materiais, em um esforço para alcançar uma meta espiritual.
O
cientista, não a ciência, percebe a realidade de um universo de
energia e de matéria, que evolui e que avança. O artista, não a arte,
demonstra a existência do mundo transitório moroncial, que se interpõe
entre a existência material e a liberdade espiritual. O religioso, não a
religião, comprova a existência das realidades do espírito e os
valores divinos que devem ser encontrados ao longo do progresso para a
eternidade.
8. O TOTALITARISMO SECULAR
Mesmo
depois de estarem, o materialismo e o mecanicismo, mais ou menos
superados, a influência devastadora do secularismo, do século vinte,
contudo, ainda estará frustrando a experiência espiritual de milhões de
almas desprecavidas.
O
secularismo moderno tem sido fomentado por duas influências mundiais. O
pai do secularismo foi a estreiteza e o afastamento de Deus, da
chamada ciência do século dezenove e do século vinte – a ciência
ateísta. A mãe do secularismo moderno foi a igreja cristã medieval
totalitarista. O secularismo teve o seu início como um protesto que
surgiu contra o domínio quase completo da igreja cristã
institucionalizada, sobre a civilização ocidental.
Na
época desta revelação, o clima intelectual e filosófico predominante,
tanto na vida européia como na vida americana, é decididamente secular –
humanista. Durante trezentos anos, o pensamento ocidental vem se
mostrando progressivamente mais secularizado e leigo. A religião
tornou-se uma influência cada vez mais apenas só de nome, um exercício
muito mais de ritual. A maioria daqueles que se professam cristãos, na
civilização ocidental, na verdade são inconscientemente leigos ou
secularizados.
Foi
necessária uma grande força, uma influência poderosa, para libertar o
pensamento e o viver, dos povos ocidentais, da garra paralisadora de uma
dominação totalitária eclesiástica. O secularismo rompeu com os
grilhões do controle da igreja e, agora, por sua vez, ele ameaça
estabelecer um tipo novo e sem Deus de domínio sobre os corações e
mentes do homem moderno. Um estado político tirânico e ditatorial é a
herança direta do materialismo científico e do secularismo filosófico.
Assim que o secularismo liberta o homem da dominação da igreja
institucionalizada, ele vende o homem para a servidão escrava do estado
totalitarista. O secularismo liberta o homem da escravidão eclesiástica
apenas para traí-lo, entregando-o à tirania da escravidão política e
econômica.
O materialismo
nega a Deus, o secularismo simplesmente O ignora; ao menos essa foi a
atitude inicial. Mais recentemente, o secularismo comprometeu-se numa
atitude mais militante, assumindo tomar o lugar da religião de cuja
servidão totalitarista ele fugiu certa vez. O secularismo do século
vinte tende a afirmar que o homem não precisa de Deus. Mas tomai
cuidado! Essa filosofia, sem Deus, da sociedade humana levará apenas à
intranqüilidade, à animosidade, à infelicidade, à guerra e a um
desastre mundial.
O
secularismo nunca poderá trazer a paz à humanidade. Nada pode tomar o
lugar de Deus na sociedade humana. Mas prestai bastante atenção! Não
vos apresseis em abandonar os benefícios da revolta secular contra o
totalitarismo eclesiástico. A civilização ocidental desfruta hoje de
muitas liberdades e satisfações, resultadas na revolta secular. O
grande erro do secularismo foi que, ao revoltar-se contra o controle,
quase total, da autoridade religiosa sobre a vida, e depois de alcançar
a libertação dessa tirania eclesiástica, os secularistas passaram a
instituir uma revolta contra o próprio Deus, algumas vezes tacitamente,
abertamente em outras.
À
revolta secularista vós deveis a criatividade espantosa do
industrialismo norte-americano e o progresso material sem precedentes
da civilização ocidental. E, porque a revolta secularista foi muito
longe e perdeu de vista a verdadeira religião e a Deus, seguiram-se
também uma colheita inesperada de guerras mundiais e uma falta de
estabilidade internacional.
Não
é necessário que se sacrifique a fé em Deus para que se possa
desfrutar das bênçãos da revolta secularista moderna: a tolerância, o
serviço social, o governo democrático e as liberdades civis. Não foi
necessário aos secularistas antagonizar a verdadeira religião para
promover a ciência e para avançar com a educação.
Contudo,
o secularismo não é o único progenitor de todos esses ganhos recentes
na ampliação da vida. Por detrás dos ganhos do século vinte não estão
apenas a ciência e o secularismo, mas também os trabalhos espirituais,
não reconhecidos nem considerados, da vida e dos ensinamentos de Jesus
de Nazaré.
Sem Deus, sem
religião, o secularismo científico não pode nunca coordenar as suas
forças, harmonizar os seus interesses, as suas raças e os seus
nacionalismos, divergentes e competitivos. Essa sociedade humana
secularista, não obstante os seus feitos materialistas sem paralelos,
está desintegrando-se vagarosamente. A força coesiva principal a
resistir a essa desintegração, de antagonismos, é o nacionalismo. E o
nacionalismo é a maior barreira para a paz mundial.
A
fraqueza inerente ao secularismo é que ele se descarta da ética e da
religião, a troco de política e de poder. Vós simplesmente não podeis
estabelecer a irmandade dos homens se ignorardes ou se negardes a
paternidade de Deus.
O
otimismo secular social e político é uma ilusão. Sem Deus, nem a
independência, nem a liberdade, nem a propriedade, nem a riqueza
conduzirão à paz.
A
secularização completa da ciência, da educação, da indústria e da
sociedade pode conduzir apenas ao desastre. No primeiro terço do século
vinte, os urantianos mataram mais seres humanos do que os que foram
mortos durante toda a dispensação cristã até aquela época. E isso é
apenas o começo da pavorosa ceifa do materialismo e do secularismo;
destruições ainda mais terríveis ainda estão para vir.
9. O PROBLEMA DO CRISTIANISMO
Não
negligencieis o valor da vossa herança espiritual, o rio da verdade
correndo pelos séculos, mesmo pelos tempos estéreis de uma idade
materialista e secular. Em todos os vossos esforços condignos para
livrar-vos das crenças supersticiosas das idades passadas,
certificai-vos de que conservais a verdade eterna. Mas sede pacientes!
Quando a revolta atual, da superstição, estiver terminada, as verdades
do evangelho de Jesus persistirão gloriosamente, iluminando um caminho
novo e melhor.
Mas o
cristianismo paganizado e socializado permanece na necessidade de um
novo contato com os ensinamentos reais de Jesus, não comprometidos por
concessões; pois ele definha na falta de uma nova visão da vida do
Mestre na Terra. Uma revelação nova e mais plena da religião de Jesus
está destinada a vencer num império de secularismo materialista e a
derrotar uma corrente mundial de naturalismo mecanicista. Urântia está
agora agitada e à beira de uma das suas épocas mais assombrosas e
encantadoras de reajustamento social, de estimulação moral e de
iluminação espiritual.
Os
ensinamentos de Jesus, ainda que grandemente modificados, sobreviveram
aos cultos dos mistérios da sua época natal, à ignorância e à
superstição da idade medieval das trevas, e estão, ainda agora,
triunfando lentamente sobre o materialismo, o mecanicismo e o
secularismo do século vinte. E esses tempos de grandes provações, e de
ameaças de derrotas, são sempre tempos de grandes revelações.
A
religião necessita de novos líderes, de homens e mulheres espirituais,
que ousarão depender apenas de Jesus e dos seus ensinamentos
incomparáveis. Se o cristianismo persistir em negligenciar a sua missão
espiritual e continuar a ocupar-se de problemas sociais e materiais, o
renascimento espiritual deve esperar a vinda desses novos instrutores
da religião de Jesus, que irão devotar-se exclusivamente à regeneração
espiritual dos homens. E, então, essas almas nascidas do espírito irão
rapidamente preencher os quesitos de liderança e de inspiração, para a
reorganização social, moral, econômica e política do mundo.
A
idade moderna recusar-se-á a aceitar uma religião que seja
inconsistente com os fatos e fora de harmonia com as suas concepções
mais elevadas da verdade, da beleza e da bondade. É chegada a hora de
uma redescoberta dos fundamentos verdadeiros e originais do
cristianismo atual, distorcido por concessões – a vida verdadeira e os
ensinamentos de Jesus.
O
homem primitivo viveu uma vida de servidão supersticiosa ao medo
religioso. O homem moderno, civilizado, tem pavor do pensamento de cair
no domínio de fortes convicções religiosas. O homem pensante tem
sempre temido estar aprisionado a uma religião. Quando uma religião
forte e atuante ameaça dominá-lo, ele invariavelmente tenta
racionalizá-la, tradicionalizá-la e institucionalizá-la, esperando com
isso ter o controle dela. Com esse procedimento, até mesmo uma religião
revelada torna-se feita pelo homem e dominada pelo homem. As mulheres e
os homens modernos, de inteligência, fogem da religião de Jesus, por
causa do medo que têm do que ela fará a eles – e com eles. E todos
esses medos são bem fundados. A religião de Jesus de fato domina e
transforma os seus crentes, exigindo que os homens dediquem as suas
vidas a buscar um conhecimento do que é a vontade do Pai no céu,
exigindo que as energias da vida sejam consagradas ao serviço altruísta
da irmandade dos homens.
Os
homens e as mulheres egoístas simplesmente não pagarão esse preço, nem
mesmo pelo maior tesouro espiritual jamais oferecido ao homem mortal.
Só quando o homem se houver tornado desiludido o bastante, por
desapontamentos tristes que acompanham as buscas tolas e decepcionantes
do egoísmo, e depois da descoberta da esterilidade da religião
formalizada, é que ele dispor-se-á a voltar-se, de todo o coração, para o
evangelho do Reino, a religião de Jesus de Nazaré.
O
mundo necessita mais de uma religião de primeira mão. Mesmo o
cristianismo – a melhor das religiões do século vinte – não é apenas
uma religião sobre Jesus, mas é amplamente uma religião na qual os
homens experimentam coisas por intermédio de outras pessoas. Eles tomam
a sua religião totalmente como é passada pelos instrutores religiosos
consagrados. Que despertar experimentaria o mundo, se pudesse tão
somente ver Jesus como ele realmente viveu na Terra, e conhecer, de
primeira mão, os ensinamentos dados pela sua própria vida! As palavras
que descrevem as coisas belas não conseguem emocionar como as próprias
coisas, nem podem as palavras de um credo inspirar as almas dos homens,
como o pode a experiência de conhecer a presença de Deus. Mas a fé
atenta sempre manterá a porta da esperança da alma do homem aberta para
a entrada das realidades espirituais eternas dos valores divinos dos
mundos além deste.
A
cristandade tem ousado rebaixar o nível dos seus ideais diante do
desafio da usura humana, da loucura das guerras e do desejo ardente de
poder; mas a religião de Jesus permanece sendo a convocação espiritual
imaculada e transcendente, apelando para o que há de melhor no homem,
para que ele se eleve acima de todos esses legados de evolução animal
e, por meio da graça, para que alcance as alturas morais do verdadeiro
destino humano.
O
cristianismo está ameaçado de morte lenta, pelo formalismo, pela
super-organização, pelo intelectualismo e por outras tendências não
espirituais. A moderna igreja cristã não é aquela irmandade de crentes
dinâmicos à qual Jesus encarregou continuadamente com a missão de
efetuar a transformação espiritual das gerações sucessivas da
humanidade.
O chamado
cristianismo tornou-se um movimento social e cultural, tanto quanto uma
crença e uma prática religiosa. As correntes do cristianismo moderno
drenam muitos antigos pântanos pagãos e muitos marasmos bárbaros;
muitas bacias culturais antigas vertem as suas águas nessa corrente
cultural de hoje, bem como os mananciais dos altos platôs galileus os
quais se supõe que sejam a sua fonte exclusiva.
10. O FUTURO
O
cristianismo de fato prestou um grande serviço a este mundo, mas agora
é Jesus que se faz mais necessário. O mundo necessita ver Jesus
vivendo novamente na Terra, na experiência de mortais nascidos do
espírito e que efetivamente revelem o Mestre a todos os homens. É
inútil falar de um renascimento da primitiva cristandade; vós deveis
seguir para frente, partindo de onde estais. A cultura moderna deve
tornar-se espiritualmente batizada com uma nova revelação da vida de
Jesus e iluminada por um novo entendimento do seu evangelho de salvação
eterna. E quando Jesus tornar-se elevado assim, ele atrairá todos os
homens para si. Os discípulos de Jesus, mais do que conquistadores,
deveriam ser fontes transbordantes de inspiração e de vida elevada para
todos os homens. A religião é apenas um humanismo elevado, até que
seja tornado divino pela descoberta da realidade da presença de Deus,
na experiência pessoal.
A
beleza e a sublimidade, a humanidade e a divindade, a simplicidade, a
singularidade e a unicidade da vida de Jesus na Terra apresentam um
quadro tão impressionante e tão atraente de salvação do homem e de
revelação de Deus, que os teólogos e os filósofos de todos os tempos
deveriam ficar efetivamente impedidos de ousar formar credos ou de
criar sistemas teológicos de servidão espiritual a partir dessa
auto-outorga transcendental de Deus, na forma do homem. Em Jesus, o
universo produziu um homem mortal em quem o espírito do amor triunfou
sobre as limitações materiais do tempo e suplantou o fato da origem
física.
Tende sempre em
mente que Deus e os homens necessitam uns dos outros. Eles são
mutuamente necessários para a realização plena e final da experiência
eterna da personalidade, no destino divino da finalidade do universo.
“O Reino de Deus está dentro de vós” foi provavelmente a maior afirmação que Jesus fez, junto com a declaração de que o seu Pai é um espírito vivo cheio de amor.
Ao
conquistar almas para o Mestre, não é a primeira légua, a da
obrigação, do dever ou da convenção, que irá transformar o homem e o
seu mundo, mas é mais a segunda légua, a de serviço livre, de devoção e
amor à liberdade, a que representa o esforço semelhante ao de Jesus,
para alcançar o irmão no amor e para colocá-lo sob a guia espiritual,
na direção da meta divina mais elevada da existência mortal. O
cristianismo, ainda hoje, percorre, com disposição, a primeira légua;
mas a humanidade definha e tropeça nas trevas morais, porque há tão
poucos homens fazendo a segunda légua – tão poucos seguidores professos
de Jesus e que realmente vivem e amam, como ele ensinou os seus
discípulos a viver, a amar e a servir.
O
chamamento à aventura de edificar uma sociedade humana nova e
transformada por meio do renascimento espiritual da irmandade, no Reino
de Jesus, deveria comover e apaixonar a todos aqueles que crêem nele,
de um modo como os homens não se comovem desde os dias em que eles
perambulavam pela Terra como companheiros dele na carne.
Nenhum
sistema social ou regime político que nega a realidade de Deus pode
contribuir de uma forma construtiva e duradoura para o avanço da
civilização humana. A cristandade, tal como está hoje subdividida e
secularizada, representa o maior de todos os obstáculos ao avanço da
humanidade; e isso é verdade, especialmente no que concerne ao Oriente.
O
domínio eclesiástico é, agora e sempre, incompatível com aquela fé
viva, com o crescimento do espírito e com a experiência original, e de
primeira mão, dos camaradas de fé, de Jesus, na irmandade dos homens,
na associação espiritual do Reino do céu. O desejo louvável de
conservar as tradições das realizações passadas, muitas vezes, leva à
defesa de sistemas obsoletos de adoração. O desejo bem-intencionado, de
realimentar sistemas antigos de pensamento, efetivamente, impede a
promoção eficaz de meios e métodos novos e adequados que satisfaçam os
anseios espirituais das mentes que se expandem e que avançam, dos
homens modernos. Do mesmo modo, as igrejas cristãs do século vinte
permanecem como grandes obstáculos, ainda que totalmente inconscientes,
ao avanço imediato do evangelho verdadeiro – os ensinamentos de Jesus
de Nazaré.
Muitas
pessoas sinceras, que de bom grado ofereceriam a sua lealdade ao Cristo
do evangelho, acham bastante difícil sustentar, com entusiasmo, uma
igreja que demonstra tão pouco do espírito da vida e dos ensinamentos
dele, a qual, lhes foi ensinado erroneamente, que ele teria fundado.
Jesus não fundou a chamada igreja cristã, mas, de todos os modos
coerentes com a sua natureza, ele fomentou-a como sendo o melhor
expoente existente do trabalho da sua vida na Terra.
Se
a igreja cristã apenas ousasse esposar o programa do Mestre, milhares
de jovens, aparentemente indiferentes, apressar-se-iam a alistar-se em
um tal empreendimento espiritual, e eles não hesitariam em ir até o fim
nessa grande aventura.
A cristandade se defronta seriamente com a condenação que está incorporada em um dos seus próprios slogans: “Uma casa dividida, contra si própria, não poderá sobreviver”.
O mundo não-cristão dificilmente render-se-á a uma cristandade
dividida em seitas. O Jesus vivo é a única esperança de uma unificação
possível da cristandade. A verdadeira igreja – a fraternidade de Jesus –
é invisível, é espiritual e é caracterizada pela unidade, não
necessariamente pela uniformidade. A uniformidade seria uma marca, para o
mundo físico, de natureza mecanicista. A unidade espiritual é fruto da
união de fé com o Jesus vivo. A igreja visível deveria recusar-se a
continuar impedindo o progresso da irmandade invisível e espiritual do
Reino de Deus. E essa fraternidade está destinada a tornar-se um
organismo vivo, ao contrário de uma organização social
institucionalizada. Ela pode, muito bem, servir-se dessas organizações
sociais, mas não deve ser suplantada por elas.
Apesar
de tudo, mesmo o cristianismo do século vinte não deve ser
menosprezado. Ele é o produto do gênio moral dos homens sabedores de
Deus, de muitas raças, durante muitos séculos, e tem sido
verdadeiramente um dos grandes poderes para o bem na Terra e, portanto,
nenhum homem deveria considerá-lo superficialmente e sem o devido
apreço, não obstante os seus defeitos inerentes e adquiridos. O
cristianismo ainda consegue movimentar as mentes dos homens de
reflexão, por meio de emoções morais poderosas.
E
não há uma desculpa para o envolvimento da igreja no comércio e na
política; alianças ímpias como essas são traições flagrantes ao Mestre.
E os amantes genuínos da verdade tardarão em esquecer que essa
poderosa igreja institucionalizada tem, frequentemente, ousado sufocar
fés recém-nascidas e perseguir àqueles que conceberam a verdade e que,
na oportunidade, apareceram em vestimentas não-ortodoxas.
Infelizmente,
é bem verdade que essa igreja não teria sobrevivido, caso não tivesse
havido homens no mundo que preferissem o seu estilo de adoração. Muitas
almas, espiritualmente indolentes, têm a necessidade ardente de uma
religião antiga e autoritária, de tradição sagrada nos rituais. A
evolução humana e o progresso espiritual dificilmente são suficientes
para capacitar todos os homens a prescindirem de uma autoridade
religiosa. E a fraternidade invisível do Reino pode muito bem incluir
esses grupos familiares de várias classes e temperamentos sociais, caso
eles estejam dispostos apenas a tornarem-se filhos de Deus, guiados
pelo espírito. Mas, nessa fraternidade de Jesus, não há lugar para a
rivalidade sectária, para amargas rixas grupais, nem para afirmações de
superioridade moral e de infalibilidade espiritual.
Esses
vários agrupamentos de cristãos podem servir para acomodar numerosos
tipos diferentes de possíveis crentes, entre os vários povos da
civilização ocidental, mas essa divisão da cristandade representa uma
grande fraqueza, quando ela intenta levar o evangelho de Jesus aos
povos orientais. Aquelas raças ainda não compreendem que possa haver
uma religião de Jesus separadamente, e de algum modo à parte, do
cristianismo, que cada vez mais está tornando-se uma religião a
respeito de Jesus.
A
grande esperança para Urântia está na possibilidade de uma nova
revelação de Jesus, com uma apresentação nova e ampliada da sua
mensagem de salvação, que espiritualmente una, no serviço amoroso, as
numerosas famílias daqueles que atualmente são os seus professos
seguidores.
Mesmo a
educação secular poderia ajudar, nesse grande renascimento espiritual,
caso desse mais atenção ao trabalho de ensinar aos jovens como efetuar
um planejamento de vida e realizar progressos de caráter. O propósito de
toda a educação deveria ser fomentar e realizar o propósito supremo da
vida, o desenvolvimento de uma personalidade na grandeza e no
equilíbrio. Há uma grande necessidade do ensino da disciplina da moral,
em lugar de tanta autogratificação. Com essa base, e por meio do seu
incentivo espiritual a religião pode contribuir para a ampliação e o
enriquecimento da vida mortal, e mesmo para a segurança e o
engrandecimento da vida eterna.
O
cristianismo é uma religião gerada por adequações extemporâneas, e por
isso deve operar em baixa velocidade. As atuações em alta velocidade
espiritual devem esperar a nova revelação e uma aceitação mais geral da
verdadeira religião de Jesus. O cristianismo, contudo, é uma religião
poderosa, visto que os discípulos comuns de um carpinteiro crucificado
lançaram os ensinamentos que conquistaram o mundo romano, em trezentos
anos, e então triunfaram sobre os bárbaros, que arruinaram Roma. Esse
mesmo cristianismo predominou – absorvendo e engrandendo – sobre todas
as correntes da teologia hebraica e da filosofia grega. E então, quando
essa religião cristã entrou em coma, durante mais de mil anos, em
resultado de uma dose excessiva de mistérios e paganismo, ela
ressuscitou e virtualmente reconquistou todo o mundo ocidental. O
cristianismo contém o suficiente dos ensinamentos de Jesus para
imortalizar-se.
Se o
cristianismo pudesse abranger mais dos ensinamentos de Jesus, daria uma
ajuda bem maior ao homem moderno para resolver os seus problemas novos
e cada vez mais complexos.
O
cristianismo sofre de uma grande limitação, porque se tornou
identificado, nas mentes de todo o mundo, com uma parte do sistema
social, da vida industrial e dos padrões morais da civilização
ocidental; e assim o cristianismo parece haver patrocinado,
involuntariamente, uma sociedade que titubeia sob a culpa de tolerar uma
ciência sem idealismo, uma política sem princípios, uma riqueza sem
trabalho, um prazer sem restrições, um conhecimento sem caráter, um
poder sem consciência e uma indústria sem moralidade.
A
esperança, para o cristianismo moderno, é a de que ele possa cessar de
apadrinhar os sistemas sociais e as políticas industriais da
civilização ocidental e, ao mesmo tempo, a de que ele humildemente se
curve diante dessa cruz que ele louva com tanta valentia, e que passe a
aprender de novo, de Jesus de Nazaré, sobre as maiores verdades que o
homem mortal pôde jamais escutar – o evangelho vivo da paternidade de
Deus e da irmandade dos homens.
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